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quarta-feira, 15 de abril de 2020

O ANTIQUÁRIO

Um dia, já faz alguns anos, andando pelo centro da cidade, em meio ao ruidoso apelo comercial das lojas, e ao apressado movimento da multidão, encontrei uma pequena loja de antiguidades, em uma velha casa que fora de moradia.

Atordoado pelos desnorteantes ritmos das músicas modernas que em alto volume as lojas dirigem a nossos ouvidos, parei em frente ao tranquilo antiquário.


O interior da casa era pouco iluminado, e não convidava os consumidores a entrar. Mesmo assim, aproximei-me da porta.


Lá dentro, vi, ao fundo, um velhinho com calças de suspensório, que ajeitava discos em uma estante.


Uma bela vitrola antiga enfeitava o balcão da loja.


- Boa tarde, Senhor – disse eu, entrando.


Virando-se para mim, o velhinho respondeu ao cumprimento.


- Muito bonita a sua loja! O que o Senhor tem aqui?


- Ah! aqui tem de tudo um pouco: livros antigos, discos, quadros, rádios, toca-discos... coisas para colecionadores.


- Posso ouvir os discos nesta vitrola, antes de comprar?


- Fique à vontade – respondeu. – Isso para mim é uma distração. Não sei até quando vou ter esse sebo. A idade já chegou e nunca se sabe o dia de amanhã.


O velhinho mostrou-me os discos antigos que possuía e escolhi os melhores para ouvir na vitrola. 


Vários deles tinham as marcas do tempo, nas capas e nas ranhuras. Mas guardavam ainda o dom que tem a música de tocar nossa alma. E fizeram-me aflorar emoções há muito reprimidas pelo peso dos dias de hoje.


De vez em quando, a voz de um grande cantor passava a repetir as mesmas palavras, mostrando quantas vezes o disco já foi ouvido.


As pessoas que passavam pela loja olhavam para seu interior, ao ouvir aqueles clássicos da música internacional.


O antiquário abrandou o sufocante burburinho daquela tarde, e senti a liberdade dos sentimentos juvenis.


Comprei diversos discos do velhinho.


- Qualquer dia voltarei aqui – disse-lhe eu.

- Quem sabe! – respondeu. – Enquanto eu puder levar essa brincadeira, seja bem-vindo.

Depois desse dia, sempre que a vida se tornou cruel e sem sentido, ouvi os velhos discos que comprei no sebo.


Ontem, senti vontade de visitar novamente a casa.


Mas o antiquário não existe mais. No local está sendo construído um edifício de dez andares.



















Cláudio Luiz Sá Brito Machado
Em 15 de abril de 2020

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